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O homem do carro preto




O carro apareceu do nada, dobrou a esquina como se já estivesse esperando por alguma vítima desavisada.
David e Ellen caminhavam pela calçada de mãos dadas, tinham saído de uma estação de trem que ficava distante poucas quadras daquele lugar e mesmo andando sempre atentos a tudo o que acontecia a seu redor, levaram mais tempo do que deveriam para perceber que o carro realmente queria atropelá-los.
Era um carro preto, grande, um sedan, com vidros muito escuros; manteve os faróis apagados até alcançar seu objetivo de atingir com violência algum pedestre; o impacto contra a frente do automóvel jogou David alguns metros à frente de encontro a parede de uma loja que naquela hora da noite já estava fechada, de fato, já passava das 23Hs e, naquela, que era uma rua comercial, não havia qualquer movimentação de pedestres desde as 19Hs. Ninguém costumava passar por ali depois de certo horário porque, por ser deserta, aquela rua era também um local propício para assaltos e coisas do gênero, entretanto, vez por outra alguém como aquele casal desafiava as estatísticas e cruzava tal caminho perigoso ignorando o risco.
Ellen foi lançada para o lado caindo na rua junto da guia; tudo aconteceu rápido demais, ela ouviu o estalo do osso da própria perna partindo com o impacto lateral da lataria do carro contra sua carne e em seguida ouviu também o golpe seco do capô do veículo contra o corpo de seu namorado arremessado para frente. Curiosamente nem o capô nem a frente do veículo sofreram qualquer tipo de dano, devia ter algum tipo de proteção ou blindagem que o permitisse suportar certa intensidade de impacto sem qualquer deformação.
_ David!! _ ela gritou, mas não houve resposta.
Seu namorado bateu a cabeça com muita força contra uma coluna que sustentava a porta de uma loja e perdeu os sentidos imediatamente. Ellen procurou pela sua bolsa onde havia posto o celular, precisava ligar para a polícia rápido, ela pensava que o motorista estivesse embriagado e embora o carro estivesse parado, atravessado sobre a calçada, julgou que ele fosse dar marcha à ré e fugir sem prestar socorro, mas não foi o que aconteceu.
Depois de alguns segundos a porta do carro se abriu vagarosamente pelo lado do motorista e um homem saiu do veículo, vestia um terno preto, gravata também preta com direito até a um pequeno prendedor dourado, usava sapatos sociais, extremamente engraxados, luvas de couro e, estranhamente, mantinha óculos escuros em plena noite. Aquele homem olhou primeiro ao redor e em seguida para David caído de forma completamente antinatural, o braço esquerdo e a perna direita do jovem no chão estavam revirados de uma forma que só era possível se ambos estivessem quebrados. Ellen ficou quieta sem saber o que fazer, ela continuava tentando desesperadamente encontrar o telefone dentro de sua bolsa repleta de todo tipo de coisas, mas a tarefa parecia impossível, o nervosismo a estava atrapalhando, além do que, a dor que sentia na perna era aguda e a estava desconcentrando.
Com passos calmos demais para alguém que acabou de cometer um duplo atropelamento, o homem de terno passou pelo corpo de David e chegou do outro lado do carro onde Ellen permanecia caída na rua, junto da calçada, naquele momento ela pode vê-lo melhor, parecia algum tipo de motorista de Uber voltado para a elite social, era alto, magro, mas não muito e ligeiramente pálido, com cabelos perfeitamente aparados e um grande relógio dourado, que parecia bem caro, também pode ser visto no pulso esquerdo entre a luva e a manga do paletó, mas o detalhe que chamou mais a atenção da moça só foi visto quando o homem finalmente falou:
_ Boa noite. _ Disse ele em um tom terrivelmente sombrio. E completou. _ Está uma bela noite para um passeio, você não acha?
Ellen não estava certa, mas  por um momento pensou ter visto longos dentes como os de um vampiro, algo que, na mente dela, era impossível, afinal, vampiros não existem.
O homem se aproximou mantendo aquela calma sinistra de quem já fizera tal coisa várias vezes e se abaixou próximo da moça que involuntariamente começou a tremer sem saber o motivo. Ela sentiu uma dor de cabeça aguda como se uma agulha quente estivesse sendo enfiada bem na sua testa e imediatamente teve uma sensação como se sua mente estivesse sendo revirada, seus pensamentos, memórias e tudo mais; ao mesmo tempo o homem disse:
_ Vocês vão servir. _ ele se inclinou e olhou para David.
Novamente Ellen pode ver os longos dentes daquele homem estranho que parecia estar remexendo dentro de sua mente. Em seguida ele retirou os óculos escuros e olhou diretamente dentro dos olhos da moça que pode finalmente encará-lo. A primeira e única impressão que teve foi que os olhos daquele homem poderiam ser qualquer coisa, menos humanos, mantinham um tom vermelho sanguíneo brilhante, eram olhos vorazes e desejavam seu sangue.
Logo que viu os olhos do monstro ela pensou:
“Ele é um vampiro.”

Em seguida perdeu os sentidos tomada por uma espécie de narcose, como se a mente dela tivesse sido desligada por dentro. A pior parte da noite ainda estava por vir.

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