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Última madrugada


Querido irmão.

Como estão as coisas em Roma, espero que tenhas chegado bem; ainda não estou certa de que sua partida para a cidade eterna seja uma boa ideia e tenha algum propósito, não sei o que você busca, mas peço a Deus que seja algo capaz de nos ajudar nessa guerra porque estamos a cada dia mais perto da derrota. Nossos planos aqui mudaram desde sua partida, outro vilarejo foi consumido e não tenho certeza se conseguiremos manter o próximo em segurança, a maioria de nossos aliados tombou no confronto com a última horda, inclusive Ileana e Cosnim; sinto muito por suas perdas, pois ela foi uma esposa dedicada e uma combatente corajosa, e quanto a seu filho, foi o jovem mais habilidoso que já vi enfrentar aquelas criaturas do inferno, além de ser um sobrinho maravilhoso. Nossa família está agora reduzida apenas a nós dois e não sei se seremos capazes de continuar confrontando a escuridão que se abateu sobre nosso belo país; já há relatos de que os filhos da noite chegaram a Bucareste, toda a Transilvânia está infestada dessas criaturas e a expansão deles continua acontecendo para além de nossas fronteiras. Temo que toda a Europa esteja em sério perigo.

Eu queria ter protegido nossa família, mas não fui capaz, eu queria ter podido salvar sua esposa e filho, assim como meu próprio marido, mas todos os dias somos confrontados com nossas incapacidades. O passado me atormenta cada vez mais e o mal não nos dá o direito de descansar para nos recuperar de nosso sofrimento e ferimentos; precisamos continuar caminhando, escondendo e lutando dia após dia, noite após noite. Somo atacados quase sempre que o sol deixa o céu e todas as vezes perdemos pessoas conhecidas de maneiras cada vez mais brutais.

Todos temos feito tantos sacrifícios durante tanto tempo que me pergunto se ainda temos alguma chance contra essas monstruosidades, já não tenho mais coragem nem forças para liderá-los, não sei como você consegue fazer isso; eu não tenho mais coragem de pedir aos que ainda estão aqui que lutem pelo ideal de defender os vivos das investidas dos filhos da noite, agora, simplesmente lutamos para não sermos mortos ou pior. A cada ataque que sofremos eles parecem estar mais rápidos, fortes e sedentos, enquanto nós ficamos mais debilitados. Noite passada houve relatos de que algumas das criaturas eram aladas, eu estava tão envolvida na batalha que, confesso, não vi tais aberrações, tudo o que eu mantinha na mente era o desejo de sobreviver mais uma noite. Não sei se esses relatos são verdade, mas e se forem? E se as criaturas estiverem evoluindo? Ou, se existirem várias raças diferentes se unindo contra a humanidade. O que será de nós?

Estamos indo rumo ao norte, viajamos, de forma precária, sempre durante o dia o mais rápido que podemos, e durante as noites, nenhum de nós consegue mais dormir, temos tido pesadelos constantes e, além disso, da última vez que dormimos fomos surpreendidos com a chegada deles que vieram como sombras trazidas pelo vento, nós não somos mais capazes de ouvi-los chegar, por isso ficamos acordados e agrupados durante toda a noite, todas as noites, retomamos a marcha assim que a claridade da manhã surge no céu. Espero que sua viagem até Roma tenha sido menos penosa do que isso.

Não temos mais estratégia e nossos suprimentos certamente já terão se esgotado quando você estiver lendo esta mensagem; perdemos a maioria de nossas armas no último ataque e os combatentes que restaram são apenas algumas pessoas que sobreviveram na fuga enquanto os monstros bebiam o sangue de outros que não tiveram tanta sorte, enfim, já não nos resta mais guerreiros de verdade com treinamento apropriado, apenas eu, Hani, o árabe, e os três que você deixou aqui para ajudar; todos os outros que possuíam algum treinamento não estão mais entre nós.
Fiz uma contagem, essa manhã, do número de pessoas viajando conosco, setenta e duas, das quais onze estão em idade muito avançada, cinco são crianças muito jovens para lutar, trinta estão demasiado feridas, caminham com dificuldade, duas já foram mordidas pelos noctívagos, mas não tivemos coragem de deixá-los para trás, o resto tem boa saúde, mas está muito fraco. Viajamos como um bando de maltrapilhos.

Neste exato momento em que escrevo, estou sentada frente a uma mesa; em nossa fuga encontramos uma pequena igreja com um lago à direita e uma colina à esquerda, certamente, em outras circunstâncias tal lugar seria uma benção de beleza bucólica, mas hoje não passa de uma grande armadilha, porém, não tivemos escolha, chove lá fora e a escuridão da noite é constantemente cortada pela luz violenta dos relâmpagos e o som ribombante dos trovões; eu não podia deixar tantas pessoas desprotegidas sob o manto dessa pesada tempestade, creio que você faria o mesmo. Não havia ninguém dentro do lugar quando chegamos, mas ao menos não era um ninho de vampiros, conseguimos algumas roupas limpas  e construímos algumas estacas improvisadas dos galhos das árvores próximas, reforçamos as portas e janelas e coloquei Hani como sentinela na pequena torre do sino, se ele tocar, saberei que estamos sob ataque, mas se isso acontecer, não haverá rotas de fuga, não nesta noite, teremos de lutar até o último de nós.
Eu tinha muito mais a escrever nesta carta, mas preciso parar. Hani está tocando o sino. Os filhos da noite chegaram.

Espero ainda estar aqui quando você voltar.
Volte breve.
Sua irmã.

11 de Setembro de 1517.

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