Ele checou o relógio.
Marcelo aguardava no quarto do motel,
estava ansioso e caminhava de um lado para o outro; não tinha certeza de que
era aquilo o que deveria fazer, mas era a única coisa que vinha em sua cabeça.
Rebeca, sua futura ex-namorada, merecia o troco; ele não sairia do
relacionamento levando um prejuízo daquele tamanho; ela ia pagar pela vergonha
que o tinha feito passar.
Sentia um frio e uma espécie de vazio no
estômago. Foi até a janela, afastou cuidadosamente parte das cortinas e olhou
para fora, não conseguiu enxergar muita coisa porque era noite.
Seu carro estava estacionado na vaga
abaixo do quarto, outros carros também estavam devidamente guardados nas vagas
em outros quartos cujas portas como de garagem permaneciam fechadas, não havia
movimentação alguma no passeio entre a fileira de quartos onde ele se
encontrava e a da frente.
Consultou o relógio; vinte horas em ponto.
Fazia apenas cinco minutos que tinha dado o último telefonema e já parecia ter
passado vinte minutos.
_ Caramba! E esse tempo que não passa!_
Resmungou.
O motel não era dos melhores, o quarto era
pequeno e parecia com a sala dos espelhos de um parque que ele visitava quando
criança; havia um espelho grande em frente à cama, outro na parede atrás da
cama e um no teto; só faltava um no chão, mas isso seria bizarro demais.
Marcelo sorriu sozinho, conseguiu descontrair um pouco com aquele pensamento.
Consultou o relógio novamente.
Caminhou outra vez da janela para a cama,
mas não sem antes fechar cuidadosamente as cortinas que nem fizeram barulho
correndo no trilho ao serem puxadas. Ao lado da cama redonda sob uma banca de
mármore escuro estava o jornal no qual ele tinha escolhido cuidadosamente um
dos anúncios em que algumas mulheres ofereciam seus corpos para serviços
íntimos.
Tomou o jornal e passou os olhos pela
página dos classificados, havia vários anúncios por toda a parte, mostravam e
ou descreviam mulheres para todos os gostos e bolsos; morenas, loiras, mulatas,
negras, asiáticas; novatas ou experientes, com preços módicos ou classe A; mas
um o tinha chamado a atenção não havia foto, apenas a descrição; ele releu.
Dizia:
“Eva. Ruiva perfeita; pele aveludada,
cabelos longos, olhos claros, rosto de anjo, corpo esculpido. Impetuosa, voraz
e viciante. Para ocasiões especiais. Atendimento somente às noites. Cem reais”.
Minutos antes de telefonar, aquele anúncio
tinha despertado nele desejo e curiosidade, sempre gostou de mulheres ruivas;
pensou em Rebeca e decidiu que se ela podia ter traído ele, então, ele também
podia traí-la era uma questão de justiça, ao menos em sua cabeça distorcida.
Saiu com seu carro da casa da namorada e
foi para o primeiro motel que encontrou na estrada já com o intuito de
contratar os serviços de uma profissional; tinha brigado com Rebeca horas
antes, discutiram bastante quando ela revelou sua traição; ela disse que
preferia que ele soubesse por ela mesma e não por outra pessoa, aquilo
claramente significava que outros já sabiam do fato, amigos dele e dela, mas
ele tinha sido o último a saber. Pensou num grande número de coisas que podia
fazer, pensou e agredi-la, mas não tinha coragem nem era correto, violência não
fazia parte de sua índole, pensou em sumir e não procurá-la mais, mas isso não
aplacaria a ira que estava sentindo; Marcelo queria que Rebeca sentisse
exatamente o mesmo que ele, portanto resolveu dar o troco na mesma moeda.
Antes, porém, resolveu contratar uma profissional para aquela noite.
Checou o relógio pela décima vez.
Quando telefonou para a tal Eva, logo que
entrou no quarto, demorou apenas dois toques para ela atender. A voz surgiu do
outro lado com um timbre insinuante.
_ Olá! _ disse a mulher do outro lado da
linha. E respirou ao terminar de pronunciar a palavra; ele ouviu a respiração
sensual que a mulher despejou sobre o fone e sentiu uma sensação prazerosa se
irradiando pelo corpo.
Marcelo estava tão atordoado que não
conseguiu pensar em nada que não fosse repetir a saudação.
_ Olá!?_ disse meio desconfiado, sem muita
certeza.
_ Em que posso ajudar.
_ Eu gostaria de falar com Eva. _
Pronunciou quase murmurando.
_ É ela. Amor.
Ele perguntou as coisas que achou que
deveria e acertou o encontro naquele local onde já estava.
_Quanto tempo até você chegar aqui?
_perguntou ele.
_Cerca de vinte minutos.
“Vinte minutos”_pensou.
_ Estou esperando._ disse.
Ela desligou e a partir daquele momento
ele passou a olhar para o relógio, mais ou menos, a cada minuto.
Colocou o jornal novamente sobre a bancada
de mármore, a televisão estava desligada e ele não queria ligar. Levantou-se da
cama, foi até o banheiro contíguo e olhou o cômodo, era pequeno e de muito mau
gosto; havia apenas um vaso sanitário, um Box com chuveiro e uma pia pequena
com um espelho redondo sobre ela. Na verdade todo aquele quarto de motel parecia
bizarro demais, parecia um lugar saído de um conto policial antigo ou um
cenário de um filme B; o ar parecia viciado e um cheiro diferente pairava. A
noite lá fora também estava estranha, pacata e letárgica; ele parou por um
instante e tentou ouvir qualquer ruído vindo de fora daquelas paredes, não
conseguiu, mas no fundo Marcelo sabia que era ele quem estava mal; sua cabeça
havia se transformado num verdadeiro temporal. Rebeca ia pagar.
Deixou aquele cubículo que servia como
banheiro e voltou para o quarto, olhou a cama, o relógio e em seguida as
paredes, e, finalmente percebeu que havia um aparelho de refrigeração no
cômodo, estava sentindo calor, talvez por conta da ansiedade, ligou a máquina;
teve de subir na bancada de mármore para alcançar os controles do aparelho.
Sentiu o vento começar a sair pelas grades de plástico do ar-condicionado
acompanhado pelo som característico.
Sentou na cama e tronou a levantar, foi
até a televisão, ligou o aparelho também e tomou o cuidado de aumentar o
volume; estava passando um filme com carros explodindo, o ator era conhecido,
mas ele não recordava o nome. Mudou os canais com uma velocidade incrível,
várias vezes, tentando disfarçar para si mesmo a ansiedade crescente dentro do
peito. Nas outras emissoras ele passou os olhos por um programa de entrevista,
uma novela e um jornal. Nos canais a cabo; passou por músicas, boletins
esportivos, documentários sobre o mundo animal, um filme adulto e programas de
comédia e variedades.
De repente bateram à porta do quarto,
Marcelo quase deu um pulo, o coração disparou e ele desligou o aparelho tão
rápido que nem percebeu que o tinha feito. Caminhou devagar na direção da
porta.
_ Quem é?_ perguntou; estava se achando um
perfeito pateta.
O coração trovejava preso dentro do peito
e era como se algo estivesse obstruindo parcialmente sua garganta. A ansiedade
tinha irradiado um sentimento diferente em todo o corpo.
“Adrenalina”_ Pensou.
A voz do outro lado surgiu:
_ Eva._respondeu.
Era ela.
Marcelo finalmente se apressou e alcançou
a porta, girou a chave na fechadura com certa dificuldade por causa da pressa e
então conseguiu.
Quando a porta se abriu, a visão revelada
do outro lado tirou o fôlego do homem de tal modo que a adrenalina disparou; a
mente dele se esqueceu de Rebeca, da briga, da traição e do troco que pretendia
dar, que era o motivo de ele estar ali. Naquele momento tudo perdeu um pouco do
sentido.
_ Olá! _ Disse a mulher olhando fixamente
para ele com os olhos mais azuis que Marcelo jamais viu, certamente eram lentes
de contato. Eva inclinou um pouco a cabeça com um sorriso irresistível nos
lábios; como que o saldando.
“Rosto de anjo.”_ pensou com a mente ainda
meio embaralhada, lembrando do anúncio no jornal.
A ruiva estonteante parada ali no limiar
da porta não entraria até ser convidada, mas Marcelo estava boquiaberto com
todos os atributos da mulher. A pele branca e delicada, o cabelo ruivo vivo
mesmo na pouca luz do lado de fora do quarto, os olhos grandes e tão azuis que
pareciam estar acesos e os lábios volumosos cobertos por um batom vermelho
molhado.
Ela se adiantou um passo, não entrou.
Disse:
_ Tudo bem?
Marcelo despertou do transe e sorriu
para ela.
_ Entra aí._ Falou finalmente.
O rosto de Eva se iluminou com o convite e
ela caminhou calmamente para o interior do quarto; se aproximou perigosamente
de Marcelo e beijou o rosto dele; numa face e depois na outra.
Ele retribuiu o beijo, sentiu o aroma doce
do perfume que ela usava.
_ Tudo bem._ A voz saiu quase como um sussurro.
Eva tinha cerca de um metro e setenta, foi
o que ele calculou ao vê-la, e um corpo esculpido provavelmente em horas e
horas de academia, ao menos ele pensou isso. Os cabelos apareceram balançando
nas costas dela quando caminhou para entrar; chegavam até a cintura e era um
complemento perfeito para um corpo como o dela que possuía curvas sinuosas e
provocantes.
Estava trajada com um vestido de tubo
negro muito justo que ia dos ombros até na coxa da mulher, com somente uma alça
segurando-o no ombro esquerdo. Ela passou por ele que levou mais um segundo
para fechar e trancar a porta.
Eva usava um sapato de salto, não era
alto, mas era muito fino. Marcelo a olhou por trás a partir dos sapatos e subiu
a visão passando pelas pernas até a cintura com as madeixas balançando
sedutoramente.
Se naquele momento ele tivesse percebido
um detalhe, talvez o desfecho da noite fosse outro, mas estava tão atraído por
ela que não se deu conta. Seguiu a mulher pelo quarto que parecia uma sala de
espelhos.
Ela olhou ao redor reparando no ambiente e
falou:
_ Lugar interessante._ o tom do comentário
era de brincadeira.
Marcelo percebeu e pensou que ela devia
estar acostumada com lugares mais sofisticados, talvez fosse uma daquelas
mulheres que costumam atender pessoas com muito dinheiro. Sorriu sem saber o
que fazer.
_ Não liga, amor, estou só brincando com
você.
Ele relaxou um pouco. Mas seus olhos não
conseguiam mais se desviar do rosto e do corpo de Eva. Ela era extremamente
atraente e sorria com uma doçura e uma pureza difíceis de serem atribuídas a
uma profissional daquele tipo. Aliás, ele jamais tinha visto em qualquer rosto
um sorriso tão cativante quanto o dela.
_Estou com um pouco de sede._ Ela falou
umedecendo os lábios.
_ Podemos pedir algo para beber.
_ Não, amor, depois.
Ele concordou.
_ E então? Vamos começar?_ Ela falou com
um sorriso malicioso.
_ É claro. _ Teve de forçar para dizer as
palavras.
Eva se aproximou da cama e retirou os
sapatos deixando-os encostados num canto, em seguida prendeu os longos cabelos
num rabo-de-cavalo com um movimento hábil e rápido.
_Se importa se eu me lavar primeiro?
_ Não. É claro que não.
Ela tirou calmamente o vestido como num
show sensual, ficou apenas com a lingerie preta e fina que estava por baixo.
Sem o vestido o corpo dela revelou um piercing dourado no umbigo.
_Seu piercing é de ouro?
_ É sim.
_Ouvi dizer que piercings de ouro costumam
causar alergia em algumas pessoas. _ se achou mais demente do que nunca por
fazer um comentário como aquele numa hora que não era para palavras, mas sim
para ações.
_ Não em mim._ Ela respondeu e foi em
direção ao banheiro praticamente desfilando o corpo como uma ninfa.
Quando Eva virou de costas para Marcelo,
ele sentiu um aperto no peito; ficou se perguntando o quão desejada ela era. A
mulher também revelou uma tatuagem de uma maçã um pouco abaixo da cintura, a
tatuagem estava sendo parcialmente encoberta pela lingerie.
_ Você não vem?_ perguntou ela já de
dentro do banheiro com aquela voz insinuante novamente.
_ Vou.
Antes de se dirigir para o banheiro,
Marcelo se pegou olhando para o espelho em sua frente, o que estava errado com
ele? Um detalhe tinha passado despercebido. Mas a presença de Eva no mesmo
ambiente era o suficiente para atrair toda a atenção para si; talvez aquela
sensação não fosse nada além de ansiedade.
Tirou a camisa logo que ouviu o barulho do
chuveiro sendo ligado e da água caindo; foi até lá.
Ela aguardava pacientemente olhando a água
que caia no box ainda vestida com as duas peças mínimas da lingerie.
Experimentou a ducha d’água com a mão.
_ Está fria._ falou.
Ele já ia tirar a calça quando percebeu
algo; percebeu o que devia ter notado no momento em que a mulher cruzou a porta
e entrou no quarto. Ao lado do box do chuveiro ficava a pia com o espelho preso
à parede; de onde Marcelo estava ele conseguia ver o reflexo de todo o
pequenino banheiro através do espelho, Olhou para Eva parada em frente a ducha
e olhou novamente para o espelho; para ela, e para o espelho mais uma vez. Algo
estava terrivelmente errado.
Foi com uma estranheza brutal que
ele finalmente se deu conta de que, através do espelho, na frente do chuveiro,
ele não via o reflexo de Eva.
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