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Súcubo



Felipe foi recebido no consultório do seu analista como costumava acontecer nas últimas quatro semanas; durante esse tempo ele vinha tendo alguns sonhos que o estavam incomodando. Fazer as sessões de analise tinha sido uma ideia de sua ex-esposa, Íris, que era psicóloga, e julgava que ele não tinha conseguido lidar bem com o divórcio, embora tudo tivesse acontecido de forma amigável. Ela achava que ele havia reprimido seus sentimentos e que isso o estaria atormentando em forma de sonhos que também o estavam machucando psiquicamente e fisicamente, porque já fazia alguns meses que ele estava evitando falar com ela frente a frente, ou mesmo atender as ligações.
_Olá Felipe! – Disse o doutor, Paulo Roberto de forma cordial; e concluiu a saudação dizendo: Como você está hoje?
Felipe caminhou pela sala pequena, porém muito bem mobiliada com estantes repletas de livros, um longo tapete recobrindo o assoalho de tacos envernizados, uma mesa com um laptop e algumas outras coisas. Ele se sentou na poltrona divã e finalmente respondeu:
_Estou bem cansado.
O analista se aproximou sentando em uma outra poltrona que parecia ser muito confortável também; ele se acomodou pegou um ipad e uma caneta digital que estavam sobre uma pequena mesa redonda junto de uma luminária e disse:
_ Seu tempo iniciou agora ok? Comece me falando sobre os sonhos; eles continuam se repetindo?
Felipe se recostou e fixou seu olhar no teto de onde pendia um lustre com sete lâmpadas de led, estavam todas apagadas. Respondeu finalmente:
_São sonhos diferentes, mas sempre com a mesma mulher. E, sim, eu sonhei com ela novamente noite passada.
_ E como foi? Você me disse que ela nunca diz nada; ela falou algo dessa vez?

_ Não. Dessa vez foi diferente; nesse sonho eu não estava dentro do meu próprio quarto como de costume, mas sim em outro lugar, tudo estava escuro, mas mesmo assim eu podia ver muito bem ao redor, como se houvesse algum tipo de luz negra. Eu estava de pé no centro do lugar e ela surgia do meio da névoa que me rodeava.
_ E como ela estava vestida? - Perguntou o analista enquanto anotava o que havia sido dito antes.
Felipe respondeu:
_ Ela usava uma espécie de chapéu estranho preto com detalhes em prata que cobria a parte de cima da cabeça, mesmo assim os longos cabelos dela caiam sobre o ombro até à altura da cintura. Além disso, ela também estava usando um tipo de colar com uma espécie de cruz escura que mais parecia ser feita de espinhos.
O analista estava anotando tudo, mas se interrompeu e perguntou:
_ O que mais?
Felipe estreitou os olhos e respondeu meio encabulado:
_Mais nada.
O outro olhou para ele curioso e continuou disparando perguntas:
_ E o que você fez?
Felipe iniciou o relato:
_ Bem. Ela surgiu no meio da névoa, andou ao meu redor, olhando para mim, ela tinha um sorriso malicioso nos lábios e mesmo sem dizer nada, eu sentia o chamado dela, todo o meu corpo sentia, e embora eu soubesse que era um sonho, ao mesmo tempo eu também sabia que era real. Ela se aproximou lentamente, e foi quando eu notei a palidez absurda na pele dela, exceto pelos lábios avermelhados como se ela tivesse passado sangue neles ao invés de batom. A aparência dela estava totalmente diferente das outras noites e eu sentia um forte desejo físico por ela.
O Analista parou de anotar, apoiou o cotovelo na lateral da cadeira onde estava sentado e colocou a mão no queixo.
_Continue. - Ele disse.
Felipe continuou:
_ Ela me abraçou, como costumava fazer nos outros sonhos, eu a abracei também, não pude evitar, ela me beijou do mesmo jeito que a Íris costumava fazer e por um instante eu lembrei do dia em que nos casamos; mas aquela mulher, pareceu ler meus pensamentos; na verdade parecia estar dentro da minha mente, ela olhou para mim sorriu mais uma vez e nós nos abraçamos novamente, naquele momento ambos queríamos a mesma coisa e foi o que fizemos. Foi a primeira vez em que eu e ela..., em que nós..., você entende? Eu nunca tive um sonho em que pude sentir tanto prazer de forma tão física; foi tão real, tão carnal.
_Entendo. - disse o analista _ Prossiga.
_Nós nos entregamos um ao outro, e ela conseguiu extrair de mim um desejo que eu nunca pensei que existisse dentro da minha mente, foi ótimo, mais do que qualquer outra vez que eu já tenha feito, mas também foi assustador, eu tive muito medo.
O analista voltou a anotar e perguntou:
_Medo por quê?
_Porque quando terminamos, eu estava completamente exausto, aquilo não era normal, mesmo num sonho; e foi naquele momento que eu tive certeza de que tudo isso não são apenas sonhos. Eu acho que estou sendo assombrado por algo desconhecido.
O analista ficou intrigado com as conclusões do cliente sobre as próprias experiências. E disse:

_Muitos sonhos, são capazes de parecer extremamente reais quando nossa mente está disposta a fazer tal coisa, só é preciso que exista um motivo muito forte no subconsciente. Mas diga-me o que aconteceu em seguida, em que momento você acordou?
_Quando nós terminamos ela pegou a minha mão e levou até o rosto dela, a pele pálida era tão macia, em seguida levou o meu pulso até a boca e mordeu com muita força, eu não tive reação, estava exausto e mentalmente entorpecido pelo êxtase da relação que tivemos, enquanto isso ela bebia meu sangue sugando através das veias do pulso, eu sentia o sangue sendo drenado e foi quando tudo escureceu. Eu acordei completamente suado, mesmo com o ar-condicionado do quarto ligado, meu coração estava disparado, minha cabeça doía e meus olhos estavam turvos, mesmo assim eu percebi que havia uma presença no meu quarto, aquela coisa andou ao redor da minha cama e eu acho que desmaiei.
Por um momento o analista ficou em silêncio ponderando as informações que havia recebido e finalmente perguntou:
_Você ainda sente falta da sua ex? Quero dizer, você diria que já superou o divórcio?
Felipe se aprumou no divã onde antes esteve recostado e disse:
_ Não sei ao certo, mas acho que essa coisa, essa mulher, ou seja lá o que ela é, está se alimentando do meus sentimentos e não só do meu sangue.
O analista fez uma ponderação técnica:
_ Eu creio que essa mulher nos seus sonhos seja algum tipo de manifestação criada pelo seu desejo subconsciente que também podem estar ligados ao seu processo de divórcio e seus sentimentos por sua ex-esposa.
Felipe ficou em silêncio por alguns instantes, parecia lutar consigo mesmo, mas finalmente perguntou:
_ Se isso é verdade, então como você explica isso?
Ele ergueu a manga da camisa social que usava deixando à mostra um curativo feito de forma improvisada no pulso com bandagem, algodão e esparadrapos. E continuou, dizendo:
_Quando acordei hoje pela manhã meu pulso estava muito machucado, não tive coragem de contar isso a ninguém porque vão pensar que eu estou ficando louco e só estou me abrindo com você por causa da ética profissional que te impede de revelar o que conversamos para qualquer outro.
Fez uma pausa e continuou:
_Eu estou dizendo que aquela coisa disfarçada de mulher, entrou nos meus sonhos, por algum motivo ela me escolheu como vítima, e sim, isso pode ter acontecido por causa do momento de fragilidade que passei com o divórcio, mas agora eu sinto que minha vida esta em perigo e preciso que você me ajude a tirar essa coisa do meu subconsciente, ou acho que não vou durar muito mais tempo.
Num primeiro momento o analista ficou estarrecido com tudo que ouviu, ele colocou seu tablet novamente sobre a mesa sem falar nada, estava tentando ganhar algum tempo para pensar no que ia dizer em seguida. Ele perguntou?
_Então você acredita que tudo isso seja real? Quero dizer, você acredita que essa mulher nos seus sonhos seja algum tipo de súcubo? É isso?
_Não tenho mais certeza de nada, mas sei que é real, não faço ideia do que ela seja, mas sei que se eu não fizer algo ela vai continuar se alimentando de mim, do meu sangue e dos meus desejos, porque quando eu estou sonhando não tenho controle, fico completamente dominado pela vontade dela e isso me assusta mais do que tudo.
Um pequeno bipe soou no relógio de pulso do analista fazendo ele perceber que o tempo do cliente havia se esgotado.
_Tenho que atender outras pessoas hoje, mas prometo que vou tentar ajudar você. Volte aqui amanhã e conversaremos mais abertamente sobre o seu caso sem tempo, hoje à noite vou fazer algumas pesquisas; confesso que você me deixou intrigado e acho que se mergulharmos mais fundo na sua mente conseguiremos descobrir o motivo tanto dos sonhos e de tudo o que está acontecendo.
Felipe deixou o consultório bem mais aliviado, porque sentiu pela primeira vez que não estava sozinho contra aquela aberração que rondava seus sonhos durante a noite, mas o que ele não sabia era que o súcubo havia escolhido ele para se divertir e atormentar por um longo e agoniante período, por outro lado, o doutor Paulo Roberto teria uma visita em sonho durante a madrugada e sentiria toda a luxuria e volúpia que uma criatura como ela era capaz de induzir nos homens. Ela iria usá-lo, drenar suas forças, beber o seu sangue e matá-lo ainda naquela madrugada. 
Felipe não sabia, mas continuaria sozinho nessa batalha.

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