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Filho de Nix



A voz dela penetrou na mente do vampiro e tudo se transformou.
Ele gritou novamente tão auto quanto jamais pensou ser capaz, a dor consumia-lhe o que restava de sanidade e não importava o quanto fizesse de força contra as correntes que o aprisionavam pelas mãos, pés e pescoço; não conseguia rompê-las mesmo usando sua força sobrenatural e todo o desespero provocado pelas queimaduras hediondas causadas pela luz do sol.
Durante todo o dia ele se contorcia debaixo da poderosa luminosidade do sol do deserto, gritava, urrava, chorava lágrimas de sangue e tentava se libertar daquela prisão no meio do nada, sua pele ficava vermelha por causa das queimaduras provocadas pela luz, em seguida abriam-se inúmeras feridas que fervilhavam dolorosamente até o ponto em que o sangue exposto que escoria pelas fissuras secava, dando início a um processo de carbonização violenta. Neste momento, que geralmente ocorria quando o sol estava no ponto mais alto do céu, toda a pele do prisioneiro, que em circunstâncias normais era extremamente pálida, escurecia até o ponto de se tornar como carvão, e em seguida, algumas insuportáveis horas mais tarde, também se inflamava como brasa viva, permanecendo assim, nesse tormento sem fim, até que a noite chegasse.
Desde o momento em que o sol nascia até o instante em que se punha, os poderosos raios luminosos, inofensivos para a raça humana, da qual o próprio prisioneiro já fizera parte um dia, mas aniquilador para a maioria das raças de vampiro, atravessavam seu corpo fulminando cada pedaço de carne, pele, cabelos, ossos, músculos, tendões e reduzindo o prisioneiro a uma monstruosidade incandescente que enlouqueceria qualquer pessoa sã que por ventura estivesse por perto. Porém, ele não morria, não podia mais morrer desde que se tornara um vampiro, e agora estava sendo punido de uma forma que sua imortalidade o causasse o máximo de dor e sofrimento possível.
No fim do dia, quando os últimos raios de sol abandonavam o céu, o prisioneiro parecia uma espécie de esqueleto, carbonizado, quase petrificado, mas ainda respirava e se movia muito lentamente, mesmo contra a própria vontade, mas sim porque a dores infernais de ter todo corpo queimado tocando o solo não lhe permitiam descansar.
Imediatamente quando a noite chegava, seu corpo praticamente destruído começava um processo de regeneração absurdamente rápida levando em conta a quantidade e a gravidade dos danos causados pela exposição a doze horas de sol, mas o tempo total de regeneração consumia-lhe praticamente toda a noite e madrugada, de modo que quando as dores finalmente paravam e seu corpo estava quase que em perfeito estado novamente, os primeiros raios do sol de um novo amanhecer já despontavam no céu. Embora fosse imortal, aquele castigo era como morrer todos os dias e ressurgir dos mortos todas as noites.
Ele já estava preso daquela forma, submetido àquela punição, fazia pouco mais de um ano, dia após dia, semana após semana, mês após mês, sendo completamente aniquilado pelo sol e regenerado todas as noites nua agonia sem fim; algumas vezes, durante a madrugada, quando a dor abandonava sua mente ele se lembrava de um conto que ouviu quando ainda era humano, o relato do titã Prometheu, que roubou o fogo dos deuses do olimpo para favorecer os mortais, e que quando capturado, foi aprisionado por Zeus, acorrentado em uma montanha onde diariamente era torturado por um grande pássaro que lhe comia as entranhas violentamente, mas que durante a noite o deixava para se regenerar e continuar a ser torturado no dia seguinte.
Segundo a sentença aplicada sobre aquele vampiro, ele ainda precisaria continuar sofrendo em tal suplício por mais nove anos inteiros; jamais um vampiro de qualquer raça, família ou clã tinha sido punido com tamanha tortura, mas ele, assim como aquele titã, tinha feito algo que seus irmãos de sangue consideraram um erro terrível. O julgamento não foi justo, não pode se defender diante dos mais antigos, príncipes e líderes, e a punição foi demasiado severa.
Uma vez a cada semana alguém vinha lhe visitar, mas apenas para ver se o sofrimento permanecia tão elevado quanto devia ser; no meio da madrugada um helicóptero pousava e alguns vampiros vinham até ele, verificavam o local, as correntes que o prendiam, zombavam dele, e por fim iam embora. A vontade do prisioneiro era lançar sua fúria contra todos eles, queria beber o sangue deles até que estivessem fracos e tão desesperados quanto ele mesmo estava naquele momento e em seguida aprisioná-los em seu lugar, mas estava fraco, ferido e jamais conseguiria romper as correntes que pareciam possuir alguma característica mística, entretanto, mesmo que conseguisse se libertar não conseguiria empreender uma guerra contra os vampiros responsáveis por seu flagelo.
Foi quando algo aconteceu.
Certa noite, o prisioneiro, ainda sofrendo por mais um dia de tortura solar intensa, ouviu uma voz feminina, doce e sombria, que parecia vir do além, era como se a própria noite estivesse falando com ele; ao abrir os olhos, deitado no solo arenoso daquele deserto noturno, viu o céu obscuro repleto de nuvens pesadas  com relâmpagos cortando o ar e criando trovões tão poderosos que o chão sob seu corpo tremia. Uma névoa escura dançava ao redor do corpo queimado dele.
A voz disse: _Erga-se!
Um relâmpago rasgou o ar desde o céu e chicoteou o chão espalhando energia, luz e chamas em todas as direções; a eletricidade percorreu, não apenas o solo, mas todo o corpo do prisioneiro deitado sobre a areia e rompeu as correntes como se fossem feitas de vidro.
A voz retornou a falar: _ Tome o meu manto.
A névoa escura que dançava circulando o corpo do prisioneiro no chão, tomou a forma de vários pássaros, que voavam em silêncio sobre ele. Quando o prisioneiro se levantou, todas as aves de sombra avançaram sobre ele formando uma espécie de manto etéreo totalmente formado de escuridão, era como estar vestindo o manto da própria morte.
A noite falou novamente dentro da mente dele: _ Receba o meu poder.
Um novo relâmpago riscou o céu e de repente um pássaro de penas tão negras desceu voando e pousou junto a seus pés, quando batia as asas o pássaro, que parecia um corvo, emanava uma névoa sombria. O prisioneiro, sentindo a sede vampírica que também o torturava a meses, avançou sobre aquela criatura alada e num movimento feroz, cravou seus dentes longos e bebeu cada gota de sangue que o pássaro tinha para oferecer.
Enquanto bebia o sangue do animal ele sentia algo que não era capaz de explicar, sua pele se regenerou imediatamente, recuperando a tonalidade pálida de antes, sua força voltou, mas estava muito maior do que antes e uma série de outras sensações inundaram sua mente e corpo; foi como beber do sangue de um deus, ou de uma deusa.
A voz noturna finalmente declarou: 
_Vá! Beba o máximo de humanos que conseguir, mate tantos quantos vampiros quiser. Encontre meu irmão. Traga o Caos a este mundo.
  

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